A ESCRITA DOS INVISIVEIS
texto por JOÃO WAINER
Quando um pixador escala um prédio e escreve lá no alto o nome de seu grupo, ele quer que todo mundo veja. Em São Paulo quase ninguém gosta do que eles pixam e é exatamente isso o que eles querem.
A pixação é uma agressão, um crime, mas é também uma forma de expressão das mais sofisticadas. São Paulo é feia, agressiva e oprime quem esta em baixo e é de lá que vêm a maioria dos pixadores. Escolas, hospitais, delegacias e outros serviços públicos são de qualidade duvidosa, falta opção pro moleque da quebrada, a vida é difícil bem na fase em que os hormônios da adolescência estão bombando.
Uma pixação na parede reflete tudo de ruim que a cidade tem pra oferecer. O egoísmo, a perversidade e a opressão da metrópole estão representadas no muro pixado. A arquitetura desordenada, as esquinas, as linhas retas verticais. A cidade serve como suporte, mídia e tela. As linhas retas verticais dos prédios são as linhas guias do caderno de caligrafia gigante em que a cidade se tranformou para os pixadores.
Quem cresceu sob a opressão de São Paulo sabe que na selva, só os fortes são considerados. Pra alguém que nasce onde eles nascem são poucas as opções que te fazem ganhar essa consideração.
Dá pra tentar pelo estudo, ralar pra conseguir um diploma, um emprego, tentar mudar de classe, mas sempre esbarrando no preconceito relacionado a sua origem. Tem também uns caminhos mais rápidos, mas não menos difíceis. Pode cantar, tocar ou jogar bola, mas de cada milhão que tenta só meia duzia consegue. Pra ter respeito você tem que inverter o quadro, dar a volta no sistema, ficar por cima de alguma maneira, e se isso já é foda pra quem tem alguma grana, imagina pra que ta lá embaixo.
A opção do crime esta sempre ali por perto, tentando, e provocando o adolescente que tenta se desenvolver em condições adversas. É o mais fácil e rápido. Rápido pra ganhar e rápido pra perder.
A pixação é um meio termo. Apesar de ser uma agressão, não deixa de ser pacífica. O cara que pixa um muro, não bate e nem ameaça fisicamente ninguém. Ele está se expressando ilegalmente através de tinta e letras. Normalmente a sociedade responde aos pixadores de forma muito mais violenta que eles. Pixadores são agredidos, pintados e assassinados com alguma freqüência. Se não me engano, agressão e homicídio são crimes um pouco mais graves do que dano ao patrimônio. Quem é mais bandido, quem pixa ou quem agride e mata?
Na quebrada não tem opção de esporte. Enquanto tem onda pra pegar em Maresias, no centro tem os prédios pra escalar. A mesma adrenalina que move o surfista do Morumbi move o escalador do Grajaú. Cada um no seu castelo.
Pixação é uma escrita. Letra e tinta formando palavras que comunicam algo. O que a pixação diz vai além do que está escrito no muro. É um grito profundo dos invisíveis e excluídos da cidade de São Paulo que traz impregnado nos seus símbolos a miséria, a desigualdade e a opressão. Fazem cerca de 25 anos que esse grito vem sendo dado até hoje em São Paulo pouquíssimos tentaram ouvir.
Algumas instituições de arte brasileiras como a Bienal e a Faculdade de Belas Artes tiveram a chance de discutir a fundo a pixação quando foram atacadas por pixadores, mas ainda assim não o fizeram. Talvez agora essa situação mude.
Em julho deste ano a Fundação Cartier em Paris inaugurou uma mostra sobre arte de rua chamada “Né Dans la Rue”. O andar de baixo era uma grande retrospectiva do grafite, criado em NY nos anos 70 e que espalhou rapidamente o Wild Style pelo mundo. Na parte de cima, artistas contemporâneos criaram obras especialmente para a mostra.
Pra surpresa de todos, a grande novidade foi a pixação de São Paulo. Com suas letras esticadas, conhecidas como tag reto, o pixo encantou os europeus. Não só pela energia que o movimento carrega, mas também pela estética de suas letras e símbolos.
Entre os vários artistas convidados, o mais observado era o pixador Cripta Djan. Para quem passou a vida como um vândalo desviando de moradores revoltados, policias agressivos e ouvindo todo tipo de xingamento pelas ruas, foi uma grande mudança ser tratado como estrela em Paris.
Ao pixar a Fundação Cartier em Paris, Cripta seguiu a risca um dos princípios básicos do movimento. Ele fez com que o nome de sua gang fosse visto pelo maior numero de pessoas possível. Ele deixou claro que o que ele fazia ali não era pixação, e sim uma representação da rua em uma galeria.
Apesar da rejeição absoluta no Brasil, mais cedo ou mais tarde um movimento com a intensidade e a força da pixação de São Paulo ganharia o mundo.
Se havia alguém com moral e conceito suficiente pra levantar a bandeira da pixação, esse alguém é o Cripta Djan. Além de ter destruído a cidade, pixando topos de prédios, janelas e muros entre 1996 e 2002, é o criador dos DVDs “100 Comédia” e “Escrita Urbana”, que são as principais formas de registro em vídeo do movimento.
Por seu histórico, imaginei que os muros de Paris não sairiam incólume de sua passagem. Me enganei. No final da viagem, ao ser questionado se deixaria um pixo na cidade luz, Djan foi taxativo: “Não faz sentido pixar Paris. É uma cidade muito bonita, tudo aqui parece ter mais de trezentos anos. A pixação só existe em São Paulo porque lá ela tem um motivo, um sentido de existir. Aqui não seria a pixação, como não era a pixação na parede do museu. Aqui é apenas uma representação de um movimento que tem que ser mostrado. Não tenho que provar nada para ninguém, tudo que eu tinha provar já provei escalando prédio em São Paulo.”
A pixação é uma agressão, um crime, mas é também uma forma de expressão das mais sofisticadas. São Paulo é feia, agressiva e oprime quem esta em baixo e é de lá que vêm a maioria dos pixadores. Escolas, hospitais, delegacias e outros serviços públicos são de qualidade duvidosa, falta opção pro moleque da quebrada, a vida é difícil bem na fase em que os hormônios da adolescência estão bombando.
Uma pixação na parede reflete tudo de ruim que a cidade tem pra oferecer. O egoísmo, a perversidade e a opressão da metrópole estão representadas no muro pixado. A arquitetura desordenada, as esquinas, as linhas retas verticais. A cidade serve como suporte, mídia e tela. As linhas retas verticais dos prédios são as linhas guias do caderno de caligrafia gigante em que a cidade se tranformou para os pixadores.
Quem cresceu sob a opressão de São Paulo sabe que na selva, só os fortes são considerados. Pra alguém que nasce onde eles nascem são poucas as opções que te fazem ganhar essa consideração.
Dá pra tentar pelo estudo, ralar pra conseguir um diploma, um emprego, tentar mudar de classe, mas sempre esbarrando no preconceito relacionado a sua origem. Tem também uns caminhos mais rápidos, mas não menos difíceis. Pode cantar, tocar ou jogar bola, mas de cada milhão que tenta só meia duzia consegue. Pra ter respeito você tem que inverter o quadro, dar a volta no sistema, ficar por cima de alguma maneira, e se isso já é foda pra quem tem alguma grana, imagina pra que ta lá embaixo.
A opção do crime esta sempre ali por perto, tentando, e provocando o adolescente que tenta se desenvolver em condições adversas. É o mais fácil e rápido. Rápido pra ganhar e rápido pra perder.
A pixação é um meio termo. Apesar de ser uma agressão, não deixa de ser pacífica. O cara que pixa um muro, não bate e nem ameaça fisicamente ninguém. Ele está se expressando ilegalmente através de tinta e letras. Normalmente a sociedade responde aos pixadores de forma muito mais violenta que eles. Pixadores são agredidos, pintados e assassinados com alguma freqüência. Se não me engano, agressão e homicídio são crimes um pouco mais graves do que dano ao patrimônio. Quem é mais bandido, quem pixa ou quem agride e mata?
Na quebrada não tem opção de esporte. Enquanto tem onda pra pegar em Maresias, no centro tem os prédios pra escalar. A mesma adrenalina que move o surfista do Morumbi move o escalador do Grajaú. Cada um no seu castelo.
Pixação é uma escrita. Letra e tinta formando palavras que comunicam algo. O que a pixação diz vai além do que está escrito no muro. É um grito profundo dos invisíveis e excluídos da cidade de São Paulo que traz impregnado nos seus símbolos a miséria, a desigualdade e a opressão. Fazem cerca de 25 anos que esse grito vem sendo dado até hoje em São Paulo pouquíssimos tentaram ouvir.
Algumas instituições de arte brasileiras como a Bienal e a Faculdade de Belas Artes tiveram a chance de discutir a fundo a pixação quando foram atacadas por pixadores, mas ainda assim não o fizeram. Talvez agora essa situação mude.
Em julho deste ano a Fundação Cartier em Paris inaugurou uma mostra sobre arte de rua chamada “Né Dans la Rue”. O andar de baixo era uma grande retrospectiva do grafite, criado em NY nos anos 70 e que espalhou rapidamente o Wild Style pelo mundo. Na parte de cima, artistas contemporâneos criaram obras especialmente para a mostra.
Pra surpresa de todos, a grande novidade foi a pixação de São Paulo. Com suas letras esticadas, conhecidas como tag reto, o pixo encantou os europeus. Não só pela energia que o movimento carrega, mas também pela estética de suas letras e símbolos.
Entre os vários artistas convidados, o mais observado era o pixador Cripta Djan. Para quem passou a vida como um vândalo desviando de moradores revoltados, policias agressivos e ouvindo todo tipo de xingamento pelas ruas, foi uma grande mudança ser tratado como estrela em Paris.
Ao pixar a Fundação Cartier em Paris, Cripta seguiu a risca um dos princípios básicos do movimento. Ele fez com que o nome de sua gang fosse visto pelo maior numero de pessoas possível. Ele deixou claro que o que ele fazia ali não era pixação, e sim uma representação da rua em uma galeria.
Apesar da rejeição absoluta no Brasil, mais cedo ou mais tarde um movimento com a intensidade e a força da pixação de São Paulo ganharia o mundo.
Se havia alguém com moral e conceito suficiente pra levantar a bandeira da pixação, esse alguém é o Cripta Djan. Além de ter destruído a cidade, pixando topos de prédios, janelas e muros entre 1996 e 2002, é o criador dos DVDs “100 Comédia” e “Escrita Urbana”, que são as principais formas de registro em vídeo do movimento.
Por seu histórico, imaginei que os muros de Paris não sairiam incólume de sua passagem. Me enganei. No final da viagem, ao ser questionado se deixaria um pixo na cidade luz, Djan foi taxativo: “Não faz sentido pixar Paris. É uma cidade muito bonita, tudo aqui parece ter mais de trezentos anos. A pixação só existe em São Paulo porque lá ela tem um motivo, um sentido de existir. Aqui não seria a pixação, como não era a pixação na parede do museu. Aqui é apenas uma representação de um movimento que tem que ser mostrado. Não tenho que provar nada para ninguém, tudo que eu tinha provar já provei escalando prédio em São Paulo.”
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